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Uruguai, não sabia que doerias tanto.

Deixo o sul do Brasil, e parto em direção ao Uruguai. O convite de uma amiga dos tempos de adolescência e colega de escola, hoje radicada naquele país, muda temporariamente meus planos - havia voltado ao Brasil para dar um tempo, reencontrar os familiares e refletir sobre a escolha do próximo passo, ainda que com os pés virados para trás.  

Há quem acredite, e defenda com veemência, que só se conhece um lugar quando se está nele. Quando se viaja até ele. E é comum escutar as pessoas dizerem: “Estive em tal lugar”, portanto o conheço. Mas eu discordo. Uma experiência turística, de poucos dias, não confere conhecimento ao lugar. Para conhecer é preciso viver. Dar as caras no convívio cotidiano. 

E o mesmo deveria aplicar-se as pessoas, pois também se faz necessário tempo e convivência para conhecê-las.  Nessas condições podemos nos dar conta de quanto nós, humanos, somos capazes de uma variedade enorme de bondades e maldades. Nos faz conhecer e refletir sobre a vulnerabilidade humana que permeia a existência de pessoas comuns, diversas entre si, e excepcionais dentro dessas diferenças em seus conflitos e estratégias de sobrevivência.

E os dias no Uruguai só reforçaram o que eu já sabia: Que amigos se acham no direito de dizer o que pensam, sempre amparados na famosa frase, que os extremamente sinceros usam para amenizar o peso de suas palavras: “Estou falando isso, porque gosto de você e sou sua amiga”.

Será? Para mim essa conduta só demonstra o modo altivo como essas pessoas manipulam suas ideias, sempre defendidas através de duras e ácidas palavras, esquecendo que é a sua verdade que está em pauta, ainda que não saibam qual seja ela, exatamente. E sendo assim, como era de se esperar, interrompem a possibilidade de comunicação, transformando qualquer intento de conversação em um triste e cansativo monólogo, recheado por um humor que se divide entre o refinamento, e o sarcasmo mais intenso. 

E foi o que nos passou. Ciente da minha fragilidade, minha amiga fez de minha fraqueza sua grandeza. Sua conversa era quase sempre desprovida de afeto ou cuidado. As opiniões eram rápidas e "sinceras", sempre confundindo insensibilidade com sinceridade, e pior, vindas sem aviso ou convite.

Reunir mecanismos de defesa para transitar entre ela, e a dificuldade que apresentava em me aceitar como sou, sem querer me idealizar o tempo todo, constituiu não só angustia, mas também um forte sentimento de impotência, já que era impossível mantermos uma efetiva comunicação.

Já não havia mais a cumplicidade dos tempos de menina. Já não havia pactos nem confidencias. Somente uma desordem da linguagem.

Demorei em entender que o problema não era eu, mas sim, minhas escolhas, já que ela estava tremendamente frustrada com as suas. Por isso, era óbvio que ela não falava tudo aquilo porque me queria, ou se preocupava. Apenas me usava para extravasar toda sua raiva, medo e frustração com respeito às escolhas equivocadas que havia tomado. 

Porque, difícil não é estar diante do outro, e emitir críticas e julgamentos maldosos. Difícil é estar diante de si mesmo, e fazer afirmações e promessas solenes, assumindo um novo modo de ser, e de viver, percebendo que as mudanças que se quer,  começam dentro da gente.  Porque, sem isso, não há paz que flua de dentro para fora.

Sempre soube que aquele era um convite sedutor e cheio de perigos. Por isso, calar-me foi o mais inteligente, prudente e saudável, pois só assim conseguiria evitar maiores conflitos. Até porque, o que eu tinha para dizer a ela, não vinha do melhor de mim. Nesse caso, calar não era uma escolha arrogante, mas sim, respeitosa. E também porque acredito que uma conversa realmente construtiva, somente acontece quando existe disponibilidade emocional de ambas as partes, o que é impossível, quando uma está cheia de tristeza.

E me fui com a seguinte sentença: “Agora estás indo sorrindo, mas não te dou um mês, e vais voltar chorando”.  Após o ocorrido, não nos falamos mais. Até pensei em procurá-la para conversarmos e contar como a coisa estava indo bem para mim. Mas logo desisti. Não precisava do seu ruído. Não precisava dividir minha alegria com quem só me põem para baixo. E não precisava mais desprender tanta energia em explicar minhas escolhas e decisões.

A maioria das pessoas que mais me inspiram, e comovem, são mulheres, justamente pela nossa capacidade de aguentarmos viver num mundo como esse, que teima em nos aniquilar todo dia, e de mil maneiras. E fui pensando que ela poderia me entender. Que ingênua fui.

 

 Denise Oliveda Kirsch

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