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Que seja infinito (somente) o que nos faz bem.

Ainda sob os efeitos do ocorrido naquela manhã em meu jardim, decidi enveredar por um caminho sem volta. Embora soubesse que poderia ser perigoso continuar, ainda assim, me sentia tomada por um forte desejo de prosseguir, mesmo sabendo que em algum momento a caminhada poderia dar lugar a uma trilha estreita, cercada muitas vezes por árvores e arbustos espinhentos, onde, sem dúvida, em algum momento poderia me ferir. Porém, me propus a seguir, porque nunca duvidei que, em algum momento, haveria uma enorme clareira a minha espera.

A experiência vivida naquela manhã de primavera foi, sem dúvida, o inicio de dias bem mais interessantes em minha vida, que até então, era pacata, e de solitária existência. Um novo tempo se iniciava ali, e isso, por si só, já valia todos os riscos. Porque cedo ou tarde, chega o momento em que não dá mais, e tudo aquilo que era silêncio encontra uma saída, tornando-se voz. Momento em que a ruptura deixa de ser uma ideia, e passa a ser uma realidade. E foi o que aconteceu.

Em janeiro de 2015, dei um basta a tudo aquilo que me incomodava. Não iniciaria outro ano arrastando o pesado pacote de desculpas, o mesmo que usei nos últimos anos para justificar o tempo em fragmentos, que tanto me desesperava. A vida sem compasso, sem ritmo e sintonia. A rigidez mecânica por detrás de tudo. Más, principalmente, todos os meus desejos, tantas vezes contidos e adiados.

Finalmente, depois de muito tempo eu fechava um ciclo. E foi um aprendizado enorme. E não somente acerca das atividades do dia a dia, mas, principalmente no que se refere ao espírito humano, pois lidar com pessoas é algo interessantíssimo, já que elas podem ser tão fantásticas, quanto cruéis. A complexidade do ser humano, assim como aproxima, também afasta. Talvez isso explique, porque alguns venham para ficar uma vida, enquanto que outros, apenas uma estação.

E quando penso no que deu errado, percebo que não sei exatamente quando, e nem porque, passei a me sentir desconfortável com a falta de vida, mesmo quando tudo aparentemente parecia ir bem, ou seja, as contas pagas, a saúde controlada, os filhos encaminhados, o sonho da casa linda e própria realizada, viagens, enfim, tudo certo, controlado e organizado.

Parece tentadora esta possibilidade de ter uma vida perfeitamente previsível e controlada? Mas não será exatamente essa previsibilidade excessiva que adormece os sentidos, e nos coloca no piloto automático? Não será essa repetição incessante dos dias que nos causa tanta estranheza e solidão? Será possível sentir-se viva, verdadeiramente viva, no seu sentido pleno e absoluto sem momentos de surpresa?

Eu me fiz essas perguntas inúmeras vezes. E mesmo se pudesse ter a oportunidade de reescrever minha vida, escolhendo o início, meio, e fim, definindo tudo de forma inspirada e planejada não aceitaria, pois, ao colocar o ponto final, tudo estaria fechado novamente, ou seja, não haveria a vitalidade e o frescor da imprevisibilidade, algo fundamental e inerente à vida.

Felizmente eu não tenho, e nunca tive dificuldade de aceitar e lidar com a ausência de controle. Venho de uma família de mulheres fortes, ativas e atuantes. Mulheres de múltiplas histórias para contar. Mulheres com vontade e curiosidade pelo novo. Mulheres capazes de reinventar-se sempre, e com uma capacidade de adaptação impressionante. Mulheres que não permitem que os contratempos da vida justifiquem uma vida mal vivida. Mulheres que viveram, e vivem exercendo suas inúmeras potencialidades. 

Por isso, onde quer que eu chegue, chego com a certeza de que é preciso me reinventar, mesmo que para isso eu precise desmoronar em milhares de pedaços, se preciso for, porém, sabendo que terei autonomia para juntar cada pedacinho, e ser novamente eu. Recomeçando do meu jeito. Como sou. Sabendo exatamente a diferença entre dor e desconforto.

Desafiador? Sim. Mas preciso enfrentar meu próprio caminho, mesmo que isso represente tropeçar em minhas próprias pedras. Preciso reaprender a gerir minha própria vida, e me sentir suficientemente firme em qualquer solo que pise.

Agarrar a vida com as próprias mãos, no meu caso, implicou em muitas coisas. Foi um verdadeiro salto no desconhecido. Mas eu estava pronta para me jogar e sentir a mudança dos ventos em tempo real. Sabia que quando isso acontecesse, talvez meu corpo pudesse doer, e a visão não me devolvesse o que queria ver. Mas o prazer de me sentir inteira no mundo, e agarrar com firmeza no leme da minha própria vida, seria recompensador.


Denise Oliveda Kirsch

 

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