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É possível ser feliz no exílio?

O que posso redesenhar com sentido a partir do novo? Como lidar com o que vem depois? Como consigo me manter de pé diante da perda latente de identidades familiares, casa, pátria e sonhos que tive que abandonar? Como lidar com a dificuldade em conviver com os momentos congelados, quando o passado nem sempre passa, e reaparece feito um pesadelo recorrente e abarrotado de fantasmas?  Essas são algumas perguntas que me ocorre quando algum desavisado me pergunta como me sinto, e como tenho convivido com minhas escolhas desde que deixei o Brasil. Somente um sujeito tonto, tipo aquele que anda pela rua observando o vento sem olhar para os lados antes de cruzar o sinal, poderia fazer semelhante pergunta.

É pergunta que não se faz, simplesmente porque o assunto é íntimo e privado. E na intimidade de sua privacidade deveria ficar. E mesmo que eu quisesse responder, não saberia por onde começar, quando o sentimento de jamais ser compreendida me invade. E não porque eu não possa relatar os fatos, organiza-los em minha mente e expressar os meus sentimentos, mas sim, colocá-los em palavras, porque por mais que eu me esforce, ainda assim, muitas pessoas não entenderiam o significado do que tem sido tudo isso para mim. E mesmo se entendessem, o fato de conhecer a minha intimidade modificaria a percepção sobre mim? Na verdade pouco me importa. Não modificaria nada em minha vida. Já na do outro seria apenas mais uma, entre as muitas possíveis leituras sobre mim.

Todo dia se repete. Todo dia exige a mesma dedicação, a mesma tenacidade, o mesmo enfrentamento com o futuro. O tempo passa e o sol queima ainda mais. Não há suavidades ou sutilezas. Há uma imagem distante impalpável onde a vida continua, apesar de parecer que em alguns dias tempo e espaço esqueçam sua própria função.

Há dias em que a vida balança entre os muitos níveis da razão, podendo mudar a qualquer momento, bastando apenas um mísero grão de areia que altere seu equilíbrio. Há uma sensação estranha que ser estrangeiro é muito mais um sentimento, do que uma questão geográfica. Há um empacotar, desempacotar, reempacotar, redesempacotar constante de malas. Há cidades dentro de outras. Indivíduos em um mundo multicultural com inúmeros aquis e agoras.

Um complexo mundo que se revela com cada vez mais exclusões, crises e incertezas. Dominador não pede licença. Chega e se instala alterando o ambiente ao redor interferindo na vida das pessoas, inclusive o meu. E definitivamente esse mundo não é o meu. Foram bons momentos que vivi nos Estados Unidos, porém, é só mais um dos tantos mundos que se encaixam em tantos padrões já conhecidos, e para mim, pouco dele é memorável em um mar de semelhanças com tantos outros.

Minha experiência nos Estados Unidos foi permeada por uma constante e desagradável sensação de despertencimento  - aclaro que nunca foi minha intenção ficar e fazer vida. Fui admitida com visto de turista com validade para seis meses, tempo suficiente para descobrir que o país dos sonhos de consumo, e moradia da maioria dos estrangeiros, sobretudo dos brasileiros, que lá aportam fascinados em busca de nova vida, atualmente não passa de uma grande armadilha. Principalmente para os que, para sobreviverem na engrenagem das metrópoles e obter os benefícios de um green card, são obrigados a viver um calvário constante, desnudando a funcionalidade das grandes cidades e os entraves, muitas vezes, desestimulantes obstáculos à paciência e também à permanência dos que lá vão.

E assim, vários mitos vão sendo desconstruídos, num esboço nada apoteótico de como ser estrangeiro nos Estados Unidos. Porém, não há como negar que minha passagem por esse país contribuiu para minha sobrevivência. Cumpriu seu objetivo, me mantendo de pé diante de tantos acontecimentos.  Definitivamente logrei me manter inteira.

 

 Denise Oliveda Kirsch

 

 


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