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O início do fim.

Sou nascente, 

veio d’água, 

córrego quente

deslizando, inundando, 

por tênues caminhos corro, 

onde agora fluem, vertem, vazam, gotejam, borrifam

desde minha nascente, 

onde memória é consolo,

e supre minha sede,

ao pensar os lugares desertos,

por onde meus olhos não podem

 e não querem mais navegar.

 

Através das janelas que se abriram nos últimos anos de minha vida, vi repetidas cenas onde nada acontecia. Indicio da rotina banal, da vigília insone diante do nada. Somente a repetição incessante dos dias.

Vivi uma vida que se avolumava. Silenciei gritos que não soube vocalizar. Revolvi diariamente os escombros acumulados de todas as ausências sentidas e consentidas. Sofri em carne própria os cortes no tempo, e as mudanças abruptas de rotas. 

Vivi uma vida que não era minha. Em casas que não eram minhas. Em cidades que não eram minhas. 

Vivi dias estranhos. Vivi numa textura de limbo. Como se não fizesse parte de mim mesma. Como se um pedaço meu tivesse ficado no lugar anterior, e, o outro, simplesmente não se ajustava ao destino atual. Era como uma convidada desavisada, aquela que participa de uma festa da qual não foi convidada.

E, sendo, assim, virei um leito seco. Durante um longo periodo esperei pela chuva, para que finalmente me devolvesse a condição de ser rio e, consequentemente, a reconquista do movimento, mesmo sabendo que a vida de rio pode ser sazonal e quebradiça. Porém, é também o movimento descendente do regresso a casa. Ou seja: O regresso a mim.

 

 Denise Oliveda Kirsch


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