Pular para o conteúdo principal

O início do fim.



Sou nascente, 

veio d’água, 

córrego quente

deslizando, inundando

por tênues caminhos corro, 

onde agora fluem, vertem, vazam, gotejam, borrifam

desde minha nascente, 

onde memória é consolo,

e supre minha sede,

ao pensar os lugares desertos,

por onde meus olhos não podem

e não querem mais navegar.

 

Através das janelas que se abriram nos últimos anos de minha vida, vi repetidas cenas onde nada acontecia. Indicio da rotina banal, da vigília insone diante do nada. Somente a repetição incessante dos dias.

Vivi uma vida que se avolumava. Silenciei gritos que não soube vocalizar. Revolvi diariamente os escombros acumulados de todas as ausências sentidas e consentidas. Sofri em carne própria os cortes no tempo e as mudanças abruptas de rotas. 

Vivi uma vida que não era minha. Em casas que não eram minhas. Em cidades que não eram minhas. 

Vivi dias estranhos. Vivi numa textura de limbo, como se não fizesse parte de mim mesma. Como se um pedaço meu estivesse esquecido no lugar anterior, e o outro, simplesmente não se ajustava ao destino atual. Era como uma convidada desavisada. Aquela que participa de uma festa da qual não foi convidada.

E assim virei um leito seco. Durante um longo periodo esperei pela chuva, para que finalmente me devolvesse a condição de ser rio, e, consequentemente, a reconquista do movimento, mesmo sabendo que a vida de rio pode ser sazonal e quebradiça. Porém, é também o movimento descendente do regresso a casa. Ou seja, o regresso a mim.

 

 Denise Oliveda 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Querido sobrevivente

  Querido sobrevivente,  para você, assim como eu, que sobreviveu a pandemia, e segue sobrevivendo aos atropelos da vida, te desejo uma vida feliz. Porém, mais do que uma vida feliz, te desejo uma vida interessante. Uma vida plena. Na íntegra, em sua totalidade e realidade. Desejo que vivas sem a necessidade de varrer nada para debaixo do tapete. Que vivas uma vida verdadeira, convivendo de forma plena com cada sentimento, com sabedoria, aceitação e entendimento de que a natureza das emoções e anseios é cíclica, e, como tudo na vida, tem seu começo, meio e fim. Desejo que tenhas uma vida plena sim, mas não linear. Porque a linearidade impede que sinta seu coração bater, subir e descer. Por isso, quando não consiga senti-lo vibrar, crie motivo para sentir-te capaz. Sempre. A vida é preciso viver-la como se apresenta, porque a felicidade nem sempre chega pronta, embrulhada em papel de presente, ela está, entre outras coisas, em exercitar, criar e transformar a realidade no n...

É preciso (apenas) viver

Passaram-se dois anos. Dois anos sem escrever. Dois anos de completo e total abandono. Depois da pandemia decidi apenas viver. As experiencias e aprendizados me motivaram a seguir em frente, a crer que é possivel recuperar algo precioso depois do caos. O confinamento e a angustia me mostraram que, às vezes, é preciso deixar de lado tanta obstinação e apenas viver. Mesmo quando viver signifique um risco, os dias se mostrem mais áridos, a fome desapareça entre rótulos e embalagens, o ansiolítico passe a ser um escape, e o isolamento um silencio, ainda assim, sempre encontrarei coragem suficiente para descer até as profundezas e voltar. Porque essa tarefa delicada e complexa, permeada de oscilações e fraturas, é também, vida que flui. Às vezes, esquecemos que a existência não é linear. Que brisas leves ou ventos súbitos podem mudar nossas órbitas de lugar, mudando nossos pontos cardeais com a mesma precisão de uma bússola competente, pois desconhecemos a força e o empenho do acaso, ...

Patagonia Argentina, meu lugar no mundo.

  Desde que cheguei à Argentina, - e lá se vão quase oito anos -, sonhava em conhecer a Patagônia, região de aproximadamente 930 mil quilômetros quadrados que abrange uma vasta área no extremo sul do país, mas que também possui uma pequena extensão além da fronteira com o Chile. Caracterizada pelo clima frio, baixas temperaturas, nevadas, glaciares espetaculares e majestosas montanhas, a região é conhecida e muito procurada justamente por essas incríveis paisagens. Mas também há pelo caminho muitas planícies áridas, pastagens e desertos, cenário desconhecido para a maioria, pois somente desfruta dessa paisagem quem decide se aventurar de carro. E foi o que fizemos. Iniciamos nossa viagem no dia 04 de janeiro de 2016, partindo de Buenos Aires, a bordo de um confortável Toyota Corolla. E quanto mais nos afastávamos de Buenos Aires, mais fascinada eu ficava com as paisagens panorâmicas. Ora eram grandes desertos, ora uma natureza exuberante e sedutora. E essa alteridade fascinante...