Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de agosto, 2020

Nada é “para sempre”

Partindo da certeza de que a morte não combina com nada, e quando confrontada com o amor, a incompatibilidade se torna insuperável. Somo a isso, minha vontade de vida, as sensações incomparáveis que ela me causa, e tenho motivos suficientes para objetivar a continuidade desses prazeres, mesmo sabendo que isso pode ser um tanto egoísta, pois quando buscamos que tudo "seja para sempre", buscamos também que aqueles que amamos estejam sempre a nossa disposição, assim como o mobiliário de nossas vidas, como os objetos que conhecemos, usamos e vemos todos os dias. Mas não é bem assim. O amor, esse intrincado mecanismo de moer vontades, desejos, sonhos e esperanças, e onde a aposta é alta, e as garantias são poucas, principalmente naquilo que preguiçosamente denominamos felicidade, nunca é para sempre. Mas saber isso não basta. É preciso viver a realidade sabendo que nada surge livre da dor. Por isso, de nada adianta usar de artifícios com medo da rejeição, perda e frustração.   I

Inaugurando uma nova vida.

  Quando em outubro de 2015, ainda no Uruguai, considerei a possiblidade de viver em Buenos Aires, duas forças muito claras me impulsionavam, e as duas tinham raízes em emoções contrárias:  alegria e  medo. O que é compreensível, porque, para além de toda a sedução que possa haver no contexto que envolve uma vida que está por inaugurar-se, há também uma vida que, até então, não existia. O projeto levou apenas um mês para se tornar realidade, e concretou-se, de fato, em três dias, o tempo necessário para arrumar as malas e viajar. É curiosa a capacidade do ser humano de adaptar-se ao meio, às pessoas e situações. Estava em Buenos Aires há poucos dias, mas já conseguia estabelecer uma rotina diária, movendo-me pelo entorno com muita intimidade. E foi com muitas sensações no peito, e ideias na cabeça, que dei inicio ao meu projeto. E sabe quando você se depara com algo tão bom e interessante, que se pergunta: “Por que não pensei nisso antes?”  Só que nem sempre é fácil lidar com tanta

Argentina acolhe e hospeda a felicidade em mim.

  Finalmente você chegou. Posso senti-la nesse processo pessoal que venho me confrontando nos últimos cinco anos, e que pretendo me confrontar para o resto de minha existência. Não foi tarefa fácil encontrar-te, felicidade, mas sempre soube que te queria para mim. Quando menina frequentava uma escola da rede estadual de ensino primário bem próximo a minha casa. Me lembro de uma tarde, quando fazíamos um trabalho em grupo e a professora nos reuniu em quatro carteiras em frente à janela.   Distraída eu não conseguia interagir com os colegas e manter atenção no trabalho, haviam coisas mais interessantes no meu entorno para observar. Aclaro: Eu não era uma estudante problemática, porém minha cabeça andava vagando desde que havia descoberto os pesados volumes de uma enciclopédia chamada “Os Pensadores”, que minha mãe havia comprado, certamente motivada pela insistência da vendedora que, dia sim, dia não, batia a nossa porta para vendê-la. E o motivo da minha distração era o movimento da

Quais os caminhos possíveis a um percurso leve e feliz?

  Quais os caminhos possíveis que levam a um percurso leve e feliz? Schopenhauer em uma de suas máximas, refere que o simples querer e poder não são suficientes para cumprir algo de bom. Para isso é necessário saber o que se quer, e o que se pode ter. E assim é. Olhar a realidade despida de ilusão e ignorância é colocar em prática a máxima acima. Sem as distorções que muitas vezes fazemos para manter a ordem e o conforto, é necessário que mantenhamos uma postura ética e moral frente à vida, porque os caminhos que nos conduzem a um percurso leve e feliz não passam necessariamente por um estado idílico e harmonioso, um nirvana, mas sim, por uma luta diária, sangrenta e bárbara, que muitas vezes covardemente queremos fugir. Quando enxergo o que em mim sangra e faz doer, é justamente aí onde encontro o que realmente me move a favor da vida. O que me dá rumo certo e direciona a minha existência. É na brevidade e efemeridade que acrescentam encanto ao viver, que me agarro e tento sobrevi

Escrever, uma cons­ciente e compreensível necessidade de narrar.

  Como quem cultiva uma terra árida, sim, às vezes é um negócio difícil escrever o que me ocorre, principalmente quando necessito ultrapassar o vazio da página em branco, conceder vida e liberdade para que as palavras fluam e encontrem seu verdadeiro significado e forma. Porém, desafiador é reconstruir os acontecimentos anteriormente entendidos como fidedignos pela atividade do lembrar, já que o entendimento do passado e realidade pode ser maleável, conforme a minha maneira de lembrar, às vezes me mostrando duas ou mais percepções de um mesmo acontecimento.  Porque essa reconstrução fidedigna do passado se desfaz no momento em que a memória involuntária surge por um gatilho, ou seja, através de um cheiro ou uma rua qualquer, por exemplo. Libertada essa memória por si mesma, sem o controle daquilo que quero lembrar, e em meio a essa disputa entre o lembrado e o vivido me pergunto: O que buscar e trazer? E o que deixar e esquecer? Antes de se tornar escrita a narrativa é vida. E apesar

Do Jeito De... Narrativas e Fragmentos Autobiográficos.

  A vida de cada um de nós é uma espécie de empilhamento. São camadas possíveis que fundamentam a vida, e na minha não poderia ser diferente. Os textos que escrevi até aqui são uma recopilação de textos que havia publicado no blog anterior, cujo nome segue sendo o mesmo. Aqui comparto minhas experiências vividas desde janeiro de 2015, um divisor de águas em minha vida. Depois de ter vivido a experiência do fracasso e testemunhar a frágil construção do meu conto de fadas desabar como um castelo de cartas, estar mais velha e menos ansiosa, mais equipada emocionalmente para essa nova caminhada, surge agora essa necessidade de trabalhar os mesmos textos, porém com o vigor de uma nova mirada e o frescor de novas interpretações.   Penso que trago um pouco mais de luz aos matizes sombrios de alguns textos originais – os fantasmas que se despregavam das palavras e continuamente me assombravam, a criança ferida, presa em um passado dolorido, a mulher em lascas despedaçando-se entre a rejeiç

Mi Buenos Aires querido.

Aquele terá sido nosso último encontro, e jamais se repetirá no mesmo contexto,  com a mesma emoção. Acabava-se num fim de tarde de domingo, quando o sol também nos abandonava, tudo o que um dia havíamos sido ou pensávamos haver sido: Amigas. O nosso sempre foi um sentimento frágil, ameaçado e de fim certo, pois no fundo sabíamos que um dia se daria.  Até pouco tempo atrás eu teria dito que Uruguai era casa, porque me ocorreu ficar e tocar a vida desde lá, solução ao menos temporária para as incontáveis dúvidas de onde e como recomeçar. Porém, numa primaveril manhã de novembro de 2015, com um magnifico céu estampado de azuis, onde nuvens corrediças passavam em projeções, desembarco no terminal do Buquebus em Buenos Aires, vinda de Montevideo. País de meus ascendentes, de onde trago ensinamentos, hábitos, histórias e traços culturais, Argentina é também lugar que reverbera a nostalgia do último abraço em meu amado avô Benjamim - lembro que em uma frase curta meu mundo ruiu: "Se