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Mostrando postagens de julho, 2020

Uruguai, não sabia que doerias tanto.

Deixo o sul do Brasil, e parto em direção ao Uruguai. O convite de uma amiga dos tempos de adolescência e colega de escola, hoje radicada naquele país, muda temporariamente meus planos - havia voltado ao Brasil para dar um tempo, reencontrar os familiares e refletir sobre a escolha do próximo passo, ainda que com os pés virados para trás.   Há quem acredite, e defenda com veemência, que só se conhece um lugar quando se está nele. Quando se viaja até ele. E é comum escutar as pessoas dizerem: “Estive em tal lugar”, portanto o conheço. Mas eu discordo. Uma experiência turística, de poucos dias, não confere conhecimento ao lugar. Para conhecer é preciso viver. Dar as caras no convívio cotidiano.  E o mesmo deveria aplicar-se as pessoas, pois também se faz necessário tempo e convivência para conhecê-las.   Nessas condições podemos nos dar conta de quanto nós, humanos, somos capazes de uma variedade enorme de bondades e maldades. Nos faz conhecer e refletir sobre a vulnerabilidade humana

De volta ao começo - Dois momentos de um mesmo lugar.

Depois de nove horas de um turbulento voo de Nova Iorque a São Paulo, onde faço uma conexão a Porto Alegre, chego finalmente acompanhada de um conjunto de sintomas físicos de crescente intensidade: Cansaço, um sono suspenso graças ao incomodo das horas de voo e a espera na conexão que obviamente não saiu no horário, e somado a isso uma fome que me consome.   Desembarco, apanho minhas malas e sigo para o desembarque, onde uma prima e seu marido me esperam.   De Porto Alegre nos dirigimos a Novo Hamburgo, cidade onde nasci - para aquele de gosto menos exigente pode até ser um bonito lugar. Li alguma vez que levamos conosco a imagem do lugar ideal, do único e verdadeiro lar. No meu caso esse não seria o lugar. Mas não há como negar. Ao voltar à cidade onde cresci, fui forçada a parar, sustentar o ar e deixá-lo brotar como se inspirasse pela primeira vez. Tal qual como no dia em que nasci. Exatamente ali. Algumas pessoas têm lugares no plural. Ou seja, lares no plural. Eu por exemplo.

De volta ao Brasil - Aperfeiçoando a arte de não agradar a todos.

Nesse momento estou em um voo noturno de Nova Iorque a Porto Alegre, depois de cinco meses viajando pelos Estados Unidos. Finalmente as luzes se apagam e todos se acomodam para dormir, o que para mim é praticamente impossível, pois me sinto tremendamente desconfortável neste espaço tão reduzido - e nunca falta aquela pessoa que invade o espaço alheio no intento frustrado de se acomodar. Sem conseguir dormir abro meu computador e revejo imagens. São fotos dos muitos lugares por onde andei e as pessoas que por lá conheci. Viajar é um deslocamento, um afastamento da zona de conforto, mas também uma reaproximação de nossa própria subjetividade. O que posso aprender e descobrir a meu respeito quando mudo de lugares habituais e modifico minhas referências? O que resta da minha identidade quando são suprimidos vínculos sociais, comunitários e me vejo sozinha, ou quase, num ambiente que desconheço? O que resta do meu ser quando se subtraem os apêndices gregários? Quando não sabemos para on

É possível ser feliz no exílio?

O que posso redesenhar com sentido a partir do novo? Como lidar com o que vem depois? Como consigo me manter de pé diante da perda latente de identidades familiares, casa, pátria e sonhos que tive que abandonar? Como lidar com a dificuldade em conviver com os momentos congelados, quando o passado nem sempre passa, e reaparece feito um pesadelo recorrente e abarrotado de fantasmas?   Essas são algumas perguntas que me ocorre quando algum desavisado me pergunta como me sinto, e como tenho convivido com minhas escolhas desde que deixei o Brasil. Somente um sujeito tonto, tipo aquele que anda pela rua observando o vento sem olhar para os lados antes de cruzar o sinal, poderia fazer semelhante pergunta. É pergunta que não se faz, simplesmente porque o assunto é íntimo e privado. E na intimidade de sua privacidade deveria ficar. E mesmo que eu quisesse responder, não saberia por onde começar, quando o sentimento de jamais ser compreendida me invade. E não porque eu não possa relatar os fat

Fui...

“Breakfast“? Era a voz da comissária ao me despertar naquela amanhã, quando faltava menos de uma hora para aterrissarmos em Miami. Escutei a pergunta com a audição de quem, perdido entre sonhos é incapaz de decifrar se a voz vinha do lado de dentro ou de fora dos meus ouvidos. Eu não tinha fome. Sequer havia tocado na comida oferecida no jantar. Enfim, a sorte estava lançada. E ali estava eu, em posse da firmeza da decisão e a valentia da ação. Finalmente havia fechado um ciclo. Mas não era o fim. Nada estava encerrado nem acabado. Ao contrário. No momento em que tocasse terra outros questionamentos surgiriam. Outros caminhos se abririam. Inseguros, imprevisíveis, incertos. Porque assim é a vida. Cheia de imprevisibilidades, limitações e restrições, mas também de infinitas possibilidades, desejos e  realizações.  Eu poderia calmamente me acomodar e esperar a velhice chegar, afinal, a vida de casada me proporcionava meios e condições para isso, porém, minha relação com o mundo sempr

A ruptura - Onde tudo começou.

E a ruptura chegou. Me despedi com um misto de alegria e tristeza do que, até então, conhecia como casa e todo o sentimento de inadequação.   Saí de mãos e alma vazias - exatamente nessa ordem. Foi o que me coube ao terminar e começar uma nova vida. Parece pouco? Se pensarmos a partir do olhar de quem observa à distância e julga, ou para quem parece impossível evitar a tentação em alguma medida, até pode ser. Mas sorte a minha que já havia entendido que as intenções e opiniões não contam. O que conta é o que alguém realiza. Isso sim. Porque para mim era a libertação. Já não me interessava pelas coisas que somente têm valor a partir da necessidade social que lhes é conferida. Me interessava agir e não possuir. Por isso, a desistência de todas as coisas materiais foi feita de modo discreto, assim como as tantas vidas que surgem e desaparecem sem ninguém notar. Mas não se engane. Não sou uma pessoa virtuosa, tão pouco fiz votos de pobreza. Ao contrário, penso em ter uma vida próspera e fe

Que seja infinito (somente) o que nos faz bem.

Ainda sob os efeitos do ocorrido naquela manhã em meu jardim, decidi enveredar por um caminho sem volta. Embora soubesse que poderia ser perigoso continuar, ainda assim, me sentia tomada por um forte desejo de prosseguir, mesmo sabendo que em algum momento a caminhada poderia dar lugar a uma trilha estreita, cercada muitas vezes por árvores e arbustos espinhentos, onde, sem dúvida, em algum momento poderia me ferir. Porém, me propus a seguir, porque nunca duvidei que, em algum momento, haveria uma enorme clareira a minha espera. A experiência vivida naquela manhã de primavera foi, sem dúvida, o inicio de dias bem mais interessantes em minha vida, que até então, era pacata, e de solitária existência. Um novo tempo se iniciava ali, e isso, por si só, já valia todos os riscos. Porque cedo ou tarde, chega o momento em que não dá mais, e tudo aquilo que era silêncio encontra uma saída, tornando-se voz. Momento em que a ruptura deixa de ser uma ideia, e passa a ser uma realidade. E foi o que

O chamado.

Ainda que a contragosto, me despertei. Olhei o relógio e marcava seis da manhã. Horário que eu considerei impróprio para qualquer coisa, principalmente para despertar em pleno domingo. O silencio pesou em seguida. Nos últimos meses havia me afastando tanto daquele lugar, que agora olhava aflita as paredes, assim como quem procura no rosto de um antigo amante o rastro do que um dia lhe pertenceu. Não havia vontade de sair. Só queria dormir. Mas, por uma dessas mágicas que acontecem e transformam rapidamente uma coisa em outra, percebi o delicado espetáculo do sol, que em pequenos fragmentos de luz atravessavam as frestas da janela. Então, como quem ainda reconhece o lugar, caminhei pela penumbra e abri a janela. Havia tanta luz em meu quarto, que era possível visualizar até a mais minúscula partícula de pó suspensa no ar. E toda aquela luminosidade deu lugar a um calor gostoso e acolhedor, digno de desfrutar. Regressei a cama. Com movimentos lentos e ainda desordenados tentava me acomod

O início do fim.

Sou nascente,  veio d’água,  córrego quente deslizando, inundando,  por tênues caminhos corro,  onde agora fluem, vertem, vazam, gotejam, borrifam desde minha nascente,  onde memória é consolo, e supre minha sede, ao pensar os lugares desertos, por onde meus olhos não podem  e não querem mais navegar.   Através das janelas que se abriram nos últimos anos de minha vida, vi repetidas cenas onde nada acontecia. Indicio da rotina banal, da vigília insone diante do nada. Somente a repetição incessante dos dias. Vivi uma vida que se avolumava. Silenciei gritos que não soube vocalizar. Revolvi diariamente os escombros acumulados de todas as ausências sentidas e consentidas. Sofri em carne própria os cortes no tempo, e as mudanças abruptas de rotas.  Vivi uma vida que não era minha. Em casas que não eram minhas. Em cidades que não eram minhas.  Vivi dias estranhos. Vivi numa textura de limbo. Como se não fizesse parte de mim mesma. Como se um pedaço meu tivesse ficado no lugar anterior, e, o o

Peneirando meu deserto.

Segundo um ditado tuaregue, Deus criou o mundo com muita água, para que os homens pudessem viver, e os desertos, para que nele pudessem reconhecer a sua alma. O deserto, como um lugar aparentemente estéril, surge, então, como um imenso mar sem água. Durante muito tempo, peregrinei e palmilhei incansáveis quilômetros dessa areia fina e quente. Tudo era volumoso demais. Havia uma sensação permanente de vertigem. Era como se aquele vasto mar de areia, iluminado por um sólido céu protetor que, paradoxalmente, também era pano de fundo para a desintegração de todo meu ser, de pronto me lançasse num vazio infinito. O que gerava um medo terrificante e quase palpável de uma entidade imprecisa, mas onipresente. Peneirar meu deserto, aventura ao redor do eixo de mim mesma, apelo espiritual e contemplação silenciosa, revelou-se um bálsamo para as dores e angústias de grande parte de minha existência. E foi ali, naquele lugar digno e merecedor do meu respeito mais intenso, onde a areia é senhora de

Para minhas meninas.

Caroline, Sabrina, Gabriela, Giada e Sofia. Voem. Brinquem na imensidão. Sorriam e distraiam-se, sem motivo, sem razão. A vida conspira a favor de quem a ouve, não importando o que os outros digam ou não. A vida conspira a favor de quem se isenta de culpas e vive feliz. Honrar-se é um princípio divino. Por isso, amem-se e comprometam-se consigo mesmas. Sempre...  e q uando a vida te der sinais, sinta sua inspiração, use sua bússola interna como motivação, desenhe o mapa, arrume as malas, e vá...   Trace um caminho e pise-o bem.