“Breakfast“? Era a voz da comissária ao me despertar naquela
amanhã, quando faltava menos de uma hora para aterrissarmos em Miami. Escutei
a pergunta com a audição de quem, perdido entre sonhos é incapaz de
decifrar se a voz vinha do lado de dentro ou de fora dos meus ouvidos. Eu
não tinha fome. Sequer havia tocado na comida oferecida no jantar.
Enfim, a sorte estava lançada. E ali estava eu, em posse da
firmeza da decisão, e a valentia da ação. Finalmente havia fechado um ciclo. Mas
não era o fim. Nada estava encerrado, tão pouco acabado. Ao contrário. No momento em
que tocasse terra, outros questionamentos surgiriam. Outros caminhos se
abririam. Inseguros, imprevisíveis, incertos. Porque assim é a vida. Cheia de imprevisibilidades,
limitações e restrições, mas também de infinitas possibilidades, desejos e
Eu poderia calmamente me acomodar e esperar a velhice
chegar, afinal, a vida de casada me proporcionava meios e condições para isso,
porém, minha relação com o mundo sempre foi de participação e entusiasmo. Nunca
consegui ficar de fora da vida, da alegria ou do sofrimento. A inquietação, a
curiosidade e o envolvimento sempre fizeram parte do meu modo de ser. Sempre me
ocupei em viver com autenticidade, por isso, o mal-estar inquietante que havia se
apossado de mim nos últimos tempos, o que se acentuava à medida que surgiam
novos desejos trazendo a necessidade de novas escolhas, e isso me causava incômodos sentimentos.
Com os pensamentos as portas da ansiedade, ora muito antes,
ora muito depois, se aproxima novamente a comissária, agora para recolher a
bandeja ao lado, interrompendo meus pensamentos que se chocam, cada um tentando
ocupar o lugar do outro para tomar a frente da cena.
Estávamos a poucos minutos de aterrissar. Tudo ia bem, até
que escuto a voz do comandante avisando que o processo de descida é
iniciado. Cada palavra é um pequeno incêndio por dentro. Mas aguento.
Da janela vejo Miami e suas luzes ao amanhecer. Paisagem ampla que se abre em torno de mim. E a força dessa imagem é bastante clara: Há algo fascinante e aterrador. Com as mãos ainda tremulas junto um par de leituras inacabadas, organizo meus pertences e penso: Estou aqui. Há muito tempo não sentia algo tão meu. Como o caminhante que só reconhece o próprio caminho porque se perdeu em tantos outros.
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