Nesse momento estou em um voo noturno de Nova Iorque a Porto
Alegre, depois de cinco meses viajando por Estados Unidos. Finalmente as
luzes se apagam e todos se acomodam para dormir, o que para mim é praticamente
impossível, pois me sinto tremendamente desconfortável neste espaço tão
reduzido - e nunca falta aquela pessoa que invade o espaço alheio no intento
frustrado de se acomodar. Sem conseguir dormir, abro meu computador e revejo
imagens. São fotos dos muitos lugares por onde andei, e as pessoas que por lá conheci.
Viajar é um deslocamento, um afastamento da zona de
conforto, mas também uma reaproximação de nossa própria subjetividade. O que
posso aprender e descobrir a meu respeito quando mudo de lugares habituais e
modifico minhas referências? O que resta da minha identidade quando são
suprimidos vínculos sociais, comunitários e me vejo sozinha, ou quase, num ambiente
que desconheço? O que resta do meu ser quando se subtraem os apêndices
gregários?
Quando não sabemos para onde estamos indo, não há respostas.
Não há pontos cardeais disponíveis à nossa orientação. Disseminar-se em partidas
e regressos não nos leva a lugar nenhum se não tivermos objetivos, pois são
eles que nos movem e dão a direção. Ou seja: Ou você decide simplesmente não
mais esperar e fazer acontecer, ou se dá por vencida, perdendo o interesse, resignando-se
em uma espera infinita. Sim, porque desistir também é uma possibilidade. Porque
tão importante quanto às coisas que fazemos, estão também aquelas que não fazemos
- que para nos proteger optamos por não fazer. Mas como saber? O que evitar? A
que se negar? O que recusar? Em que situação é melhor ficar imóvel e quieto a
simplesmente agir?
Durante anos acolhi aterrorizada a segunda opção, sem dar-me conta do óbvio: Quando algo em mim rejeita as paredes que me rodeiam, é porque chegou a hora de partir. Mas o medo fez que eu usasse inúmeras desculpas para camuflar a falta de animo e a baixa expectativa em mim mesma. Temia de tal forma o futuro que chegava a afetar de forma significativa a maneira como vivia o meu presente. O que foi uma pena, porque o caminho da vida é muito mais rico, e eu perdi parte do processo. Hoje já não uso desculpas para simplifica-lo. Sigo cheia de perguntas e vou continuar buscando minhas respostas, mesmo sabendo que nunca serão inteiramente satisfatórias - a possibilidade de experimentar um olhar distanciado do núcleo familiar foi fundamental para a construção da minha identidade nesse momento. Nesse sentido a viagem aos Estados Unidos foi positiva e reveladora.
A vida muda e a gente muda com ela. Somos como pontos de
mutação pela constante desconstrução e reconstrução, onde um novo estágio deve
incorporar o anterior numa progressiva linha de desenvolvimento. Obedecendo ao
princípio da impermanência a vida, se modela a partir de sucessivas
transformações. Por isso, é importante e necessário mudar a perspectiva e
fazer-se voz nas decisões que afetam a nossa vida. Só assim, lá na frente, nas
páginas finais da narrativa de cada um de nós, vamos poder contar as vitórias e
equívocos, os sonhos e escolhas que tivemos a nossa disposição. E é exatamente
isso que venho fazendo desde aquela manhã de janeiro, quando me despedi saturada
de inconformidades e pronta para realizar um trajeto só meu.
Já estamos em outra estação. Depois de muitas voltas nas folhas do calendário, volto e me pergunto: Quanto de mim ainda existirá nas pessoas e lugares que deixei? No coração dos mais próximos, como família, por exemplo, penso que minha ausência deve ter sido sentida. No mais, nada de novo. Ou seja, a maioria das pessoas seguiram com suas rotineiras sequencias de tramites e sequer perceberam que eu já não estava. Porque é assim.
Muitas amizades se desfazem com a mesma naturalidade com que
são feitas. As relações são efêmeras. E mesmo que alguma sobreviva, não há
garantias de que acompanhe as mudanças que acontecem comigo. Mas não é importante
que entendam o que eu faço, e talvez melhor assim. Porque certamente estarei
tão ocupada me fazendo feliz, que não terei interesse em saber o que se passa com algumas delas. A vida é assim. As pessoas também. E
isso não significa que sejamos mesquinhas e egoístas. Não. Apenas cumprimos
nosso papel nesse vasto mundão, onde cada um tem a obrigação de ser feliz e
fazer o melhor de sua vida, mesmo que isso implique em mudanças drásticas e
despedidas.
Sempre acreditei que na queda, na constatação da
instabilidade das regras, e da vida, poderia residir a chance de uma verdadeira
humanização, que implica necessariamente em olhar para o outro sem nenhum
tipo de preconceito. Mas descubro que ninguém tem olhos compreensivos. Por
isso, definitivamente não me interessam os preceitos enrijecidos da falsa moral
obsessiva, doente e crítica.
Já não creio na boa intenção e duvido da inocência daquele que se aproxima dizendo se identificar com a minha dor. Para mim, muitas dessas demonstrações nada mais são que uma solidariedade fútil e inútil. Por isso, sigo aperfeiçoando a cada dia, a arte de não agradar a todos.
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