Na última vez que estive na
França, - e lá se vão mais de três anos, devido à pandemia - descobri que a
palavra “étranger” possui duplo sentido, pois pode ser usada para referir-se a uma
pessoa estrangeira ou também a uma pessoa estranha, desconhecida. O que é
certo, pois o estrangeiro é um estranho, uma espécie de intruso, um desconhecido. É um “estar no mundo” ou “entre mundos”. É
aquele que se situa na fronteira. O fora do dentro.
Hoje, depois de oito anos vivendo na Argentina, ainda insisto em falar português com os mais próximos, ao invés do espanhol. Será porque a lingua portuguesa tem uma sonoridade particularmente bonita? Até pode ser, mas sou uma estrangeira, e, como tal, de certa forma ainda me sinto um pouco partida, e não somente entre idiomas, mas também no que diz respeito à cultura, costumes e outras “cositas”. Mas o mais importante, e o que realmente me alegra, é que desde que me tornei inquilina desse “hermoso” país, perdi todas as referências do que conhecia como segurança e estabilidade. E melhor, sem sofrimento. Talvez porque nunca tenham existido de forma concreta e verdadeira em toda minha vida.
E me fez muito bem. Não foi difícil
passar por essa experiência. Ao contrário. Quem opta pela vida estrangeira sabe
que é preciso passar pelo "estranhamento", porque mudar de país, entre
outras coisas, significa perder a referência de tudo àquilo que nos dava
identidade e reconhecimento.
E nessa busca por novos significados,
Argentina e sua amorosa acolhida me possibilitou a construção de uma nova vida, onde nela trago colado na pele e coração o tempo
passado, o tempo presente, as coisas concretas, as palavras ditas, as não ditas,
a quebra dos sentidos, o desalinho das verdades e invenções, os encontros e
desencontros, o sol, as flores, os sorrisos, as lágrimas. Enfim, tudo dialoga
entre si, e assim crio essa cumplicidade que me permite intensamente viver.
E intensamente sigo costurando as
memórias, como quem costura uma barra de vestido usado e gastado, mas que se
pretende eternizado.
E intensamente agradeço pela vida
que hoje tenho. Agradeço pela garantia de que, mesmo que o inverno nunca me
falta, sempre haverá uma primavera ao alcance de minhas mãos.
Denise Oliveda
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