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China, sempre presente em mim.

 

Quem viaja adquire conhecimento e cultura através de uma experiência própria, portanto, somente tem validade e especial significado para quem viveu tal experiência. Ou seja, poderíamos até ter a mesma experiência, mas talvez não se adaptasse ao nosso gosto, emoções e sentimentos da mesma maneira como foi para o outro. E essa dedução é óbvia, pois somos seres humanos singulares, cada qual com sua carga emotiva, sentimental e anímica, seja em qualquer lugar no mundo. Por isso, não é em vão que existam pessoas que sintam atração por certos países, enquanto que outras nem desejo de conhecê-los têm. 

E o bom viajante, aquele que possui um coração que sente, observa e guarda para sempre o momento vivido, sabe que também viaja para aprimorar-se internamente, porque viajar é uma das melhores maneiras de expandir a consciência e deixar que as preocupações desapareçam junto com outras formas de apego.

Portanto, quem não estiver aberto a valorar um simples recorrido sem preconceito ou opinião crítica antecipada, provavelmente estará perdendo tempo e dinheiro, porque a incerteza do que acontecerá ao longo de cada viagem é o que torna cada destino ainda mais tentador.

E viajar não é somente conhecer lugares. É também conhecer o outro, entender como o meio influencia ideias, modos de vida e comportamentos. É encontrar similaridades e diferenças, entender quais são as fronteiras que nos separam ou aproximam. É reaprender a confiar, ver, experimentar e deixar que as experiências nos modifiquem. É fotografar ou guardar na memória. É viver de um jeito saudável e prazeroso.

Em 2018 viajei a China. Bastaram poucos dias em solo chinês para que a linha de pensamento que mantinha à cerca da civilização chinesa, mudasse quase por completo. A China mostrou-se tremendamente valiosa para mim, pois, até então, imaginava um país cheio de segredos, com uma cultura fechada e uma sociedade tradicional muito hierarquizada, vivendo em edifícios cinzentos, tristes e monótonos.

Mas o que vi foi uma vertiginosa explosão de crescimento. E a oportunidade de poder vivenciar esse desenvolvimento me deixou simplesmente maravilhada. Estar em território chinês, e encontrar a cada passo uma realidade diferente da que conhecia, me antecipava o magnífico que me aguardava.

A escala de desenvolvimento, construção e movimentação de pessoas é uma coisa impressionante. O que ontem era uma pequena vila, hoje alberga milhares de habitantes e numerosos arranha-céus. Parece que 90% das gruas do mundo estão na China.

As cidades crescem num piscar de olhos, devorando parte das memórias humanas e lançando sombras sobre suas afeições - há um conto chinês em que página a página o personagem procura por seus lugares de infância, e o que encontra é uma cidade transfigurada pelo tempo e pela modernidade avassaladora.

Nada na China parece ter parado de se metamorfosear. A cada dia o país altera a sua paisagem urbana. O cenário que se vê em algumas cidades, como Shanghai, por exemplo, mostra um dos retratos mais futuristas do planeta. Torres gigantescas de vidro e aço erguem-se numa competição desenfreada pela glória de chegar mais alto. A arquitetura é circular, quadrada, retangular e com formas incrivelmente diferentes. Uma planície de arranha-céus que se estende no horizonte visual até onde a neblina e poluição nos permitam ver.

Mas a China, mais do que encantar pelas suas atrações urbanas, me seduziu pelas formas de sua natureza caprichosa e provida de toda a inspiração. A força de alguns cenários é arrebatadora, tanto que algumas vezes não foi fácil dar as costas ao que me foi dado para contemplar, da mesma forma que não foi difícil associá-los a outros, tão marcantes quanto.

Lembro com muita nostalgia o marulho das águas do Rio Yangtzé, enquanto navegávamos bordeados por imensas montanhas que, de tão altas, muitas vezes ameaçavam tocar o céu. O pardo final de tarde nas muralhas em Badaling, e seus muros sólidos que se perdiam de vista, sempre acompanhando sinuosas montanhas de cima a baixo, como se fosse o imenso corpo de um dragão, mas que hoje já não protege de invasões, ou muito menos isola ou separa, mas sim, é símbolo da identidade histórica e orgulho do país.

E diante daquela imensidão, uma pequenez me assaltava o espírito. Era impossível impedir que minha mente viajasse por aquela paisagem esmagadora, cenário imóvel pincelado de verde árido e chumbo, para então, finalmente terminar mais acima, no azul do céu. Uma das coisas mais impressionantes que qualquer memória humana possa registrar.

Outro lugar que me comoveu foi Xian, com a trágica beleza de seu exército de terracota. Figuras impressionantes. Uma inacreditável expressão da arte chinesa de 2.200 anos que agregam não só valor estético e histórico, mas também um valor icónico de importância mundial. O lugar impressiona e emociona. Beleza e ódio em um mesmo conjunto de estátuas. Cada uma com a sua própria expressão, e seu próprio lugar no corpo de combate, hierarquia e particularidade de indumentária. Também tive a oportunidade de conhecer o famoso, agitado e colorido bairro muçulmano, onde habita há séculos uma comunidade que migrou no vai e vem da Rota da Seda. E foi ali que encontrei um pouquinho daquela China que conservava como estereótipo.

De Pequim a Shanghai, vi um país com pressa de ser a principal potência mundial, por isso vive a maior transformação da história dos últimos séculos – talvez o mundo esteja prestes a virar uma página, fazendo regressar ao oriente a liderança perdida. Um país de grandes contrastes, onde os traços vincados da história de uma civilização com 5.000 mil anos, e a ocidentalização de apenas três décadas convivem muito bem.

De grandes urbes, passa-se a templos budistas repletos de pessoas com as mãos entrelaçadas em seus incensos fumegantes, enquanto dobram-se em reverencia diante de suas divindades. Das lanternas tradicionais nas portas das casas ao remate bicudo em arco nos telhados, sobrevivem na face urbana os antigos sinais da sua cultura milenar. E o que era uma sociedade rural rapidamente transformou-se em uma sociedade de consumo desenfreada. O que facilmente se constata em um rápido passeio pelas ruas. O bom retrato social da China atual. Chineses de todas as idades com os braços carregados de sacolas de lojas de marcas importantes internacionais. E sempre originais, porque eles não compram os produtos falsificados, isso é só para turista – informação confirmada pelos chineses que nos acompanhavam no grupo.

O chinês é incrivelmente simpático. São gentis, acolhedores e donos de uma tranquilidade invejável. Mas isso pode mudar quando se juntam em grupo. Por menor que seja, sempre é garantia de muito barulho. E também não respeitam filas. Passam a frente sem o menor pudor.

E adoram dançar. Em qualquer praça ou parque público é possível encontrar mulheres e homens dançando ao ar livre, uma prática que se tornou um fenômeno e envolve milhões de pessoas. Eles praticam o Guangchangwu, que traduzido para o português seria algo como “dança na praça pública”, e se permitem todo o tipo de improviso. Vão dos clássicos bailes a ritmos mais modernos, seja música chinesa ou ocidental - em Beijing dançavam ao som de Roberto Carlos. Inclusive com coreografias arrojadas e complexas.

Visitar a China foi ler a história do futuro próximo. Porque esse é um país onde o ritmo da mudança é brutal, e mudará de forma significativa o mundo das próximas gerações. Um país que mantem vivo o que levou os imperadores de outrora a fazerem obras descomunais para glorificar seu poder e mostrar sua crença ilimitada no futuro.

 

Denise Kirsch Oliveda

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