Finalmente você chegou. Posso senti-la nesse
processo pessoal que venho confrontando nos últimos cinco anos, e que pretendo confrontar para o resto de minha existência. Não foi tarefa fácil encontrar-te, felicidade, mas sempre soube que te queria para mim.
Quando menina, frequentava uma escola da rede estadual de
ensino primário próxima a minha casa. Me lembro de uma tarde, quando fazíamos um
trabalho em grupo, e a professora nos reuniu em quatro carteiras em frente à
janela. Distraída eu não conseguia interagir
com os colegas e manter atenção no trabalho, haviam coisas mais
interessantes no meu entorno para observar. Aclaro: Eu não era uma estudante
problemática, porém minha cabeça andava vagando desde que havia descoberto os pesados volumes de uma enciclopédia
chamada “Os Pensadores”, que minha mãe havia comprado, certamente motivada pela
insistência da vendedora que, dia sim, dia não, batia a nossa porta para
vendê-la.
E o motivo da minha distração era o movimento das pessoas que passavam em frente a escola. Ficava imaginando como viviam, para onde iam, de onde vinham e assim por diante, enquanto meus colegas compenetrados tentavam desvendar os mistérios da matemática. E foi nesse momento de distração que fui pega de surpresa pela professora dos cabelos loiros em cachos de caracol, que dito assim, até podia parecer um anjo, mas não era. E bastante irritada perguntou-me: “Denise, que queres da vida?”
Tomada pela surpresa e rapidez com que tive que abandonar minhas distrações e voltar a atenção à sala de aula, imediatamente não soube o que responder, mas passados alguns segundos a resposta saiu firme e certeira: “Eu quero ser feliz!” A professora me mandou para fora da sala, óbvio.
Lembro que atravessei um corredor comprido que levava justo a sala da diretora. Com desconfiança entrei e tentei me recompor. Sem deixá-la perceber, sabia que de nós duas ali, era eu a única em desvantagem. Desobediente por contemplar e sonhar. Certamente minha vocação naturalmente criadora seria duramente condenada.
Restava saber
qual seria a minha pena - mas educar não seria também uma atitude filosófica
para alimentar sonhos, nos transformando em sujeitos mais criativos e
expressivos também? Não poderia contribuir para que aprendamos a expressar
melhor e com mais clareza o que queremos e sentimos? De que adianta formar
pessoas cheias de conhecimento técnico, mas insensíveis e individualistas a
ponto de serem incapazes de perceber que são responsáveis não apenas pela construção
de suas vidas, mas também da sociedade em que vivem?
A vida necessita o crivo da razão, sem dúvida. Mas sentir,
imaginar e criar é também modo de pensar. Para mim, essa indiscutível
multiplicidade de sentidos já era indispensável desde minhas primeiras incursões
por aqueles enormes e pesados livros que minha mãe havia comprado. Já me revelavam
nas suas camadas que todos os seres sensíveis vivem e
transitam pelo mundo porque são motivados pelo desejo de ser feliz.
E nesse universo íntimo, na construção e necessidade
vital de ser feliz, reinventei meu mundo com a objetividade de quem sabe o que
quer e para onde vai. Os arroubos de distrações da minha infância lá ficaram. Mas
os sonhos e a parte lúdica me acompanham, sempre como um agente motivador. São eles
que me fazem crer que vai existir o que ainda não existe - sempre que eu buscar
meios para que isso ocorra, obviamente.
E é justamente nessa dimensão simbólica que sempre
encontrei uma saída quando me via envolvida até o pescoço nas densas tramas da
vida, ora tendo que sacrificar minha felicidade por inteiro, ora tendo que aceita-la
medianamente como um grande embrulho vazio, o que
definitivamente já não aceito mais. Depois de ter vivido tantas experiências,
hoje descubro que é sempre mais inteligente investir na consistência do
conteúdo do que na decoração da fachada.
E aqui estou. Ainda sem respostas claras para algumas perguntas. Mas uma coisa
é certa: Aqui a vida é transformadora sem perder o encanto. E a Argentina acolhe
e hospeda a felicidade em mim - penso que para cada pessoa exista um lugar
no mundo especialmente para ela, igual a um amor, ainda que este encontro viva
somente no imaginário.
Pero yo la
encontré.
Denise Oliveda
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